A residência médica é uma etapa marcada por aprendizados intensos e grande responsabilidade. Por isso, é comum que muitos residentes se perguntem:
“E se eu for processado por algo que aconteceu durante um plantão?”
Neste post, explicamos de forma objetiva, didática e com respaldo jurídico sólido por que, na maior parte dos casos, o médico residente não deve ser responsabilizado diretamente por eventuais danos decorrentes da atividade médica durante sua formação.
1. A residência médica e sua natureza jurídica
Regida pela Lei nº 6.932/1981, a residência médica é um programa de pós-graduação lato sensu, no qual o médico atua em ambiente hospitalar sob supervisão constante de um preceptor.
O residente é médico formado, inscrito no CRM, porém está em formação supervisionada, devendo realizar seus atos médicos sob orientação e validação do preceptor, o que impacta diretamente na forma como sua responsabilidade é analisada.
2. Como funciona a responsabilidade civil nesse contexto?
Em Direito Civil, existem dois regimes principais de responsabilidade:
a) Responsabilidade objetiva
Não exige demonstração de culpa. Basta o dano e o nexo causal.
Aplica-se a:
hospitais públicos
hospitais privados que prestam serviço público (ex.: conveniados ao SUS)
entes públicos em geral
b) Responsabilidade subjetiva
Exige:
demonstração de culpa (negligência, imprudência ou imperícia)
dano
nexo causal
Aplica-se aos profissionais liberais, incluindo médicos, e também ao médico residente, pois o art. 14, §4º do CDC estabelece que a responsabilidade do profissional de saúde é subjetiva.
3. O residente pode ser processado?
Sim. Ele pode ser incluído como réu na ação. Mas isso não significa que ele deve permanecer no processo.
Na maioria dos casos, o residente é parte ilegítima para responder judicialmente, porque:
não atua com autonomia técnica plena
está sujeito à supervisão obrigatória
integra uma estrutura pública ou privada prestadora de serviço de saúde
seus atos são presumidamente inseridos na esfera de responsabilidade da instituição onde atua
Por isso, a defesa técnica costuma apresentar a preliminar de ilegitimidade passiva, pedindo a exclusão do residente do processo.
4. A defesa técnica é obrigatória: a contestação
Se o residente for citado judicialmente, deverá apresentar contestação técnica elaborada por advogado especializado, contendo:
pedido de exclusão do polo passivo (ilegitimidade passiva) com fundamento no Tema 940 do STF
demonstração da ausência de culpa
argumentação sobre a falta de autonomia e a atuação supervisionada
análise do nexo de causalidade e da participação real do residente
Essa abordagem costuma resultar na exclusão do residente já na fase inicial do processo.
5. Tema 940 do STF: reforço jurídico ao residente
O Supremo Tribunal Federal, no Tema 940, fixou a tese de que:
O agente público é parte ilegítima para responder diretamente por danos decorrentes de sua atuação funcional; a ação deve ser movida contra o Estado ou contra a entidade prestadora de serviço público.
O agente somente poderá responder em ação regressiva, pelo Estado, em caso de dolo ou culpa.
5.1. Aplicação ao residente
O médico residente que atua em:
hospital público
hospital universitário
Santa Casa/filantrópica conveniada ao SUS
hospital privado que presta serviço público
É considerado agente público por equiparação (art. 37, §6º).
Logo, a responsabilidade inicial é da pessoa jurídica e não do residente.
6. E se o erro realmente existiu? Posso ser responsabilizado depois?
Sim, é possível, mas de forma regressiva.
Mesmo que a responsabilidade inicial seja da instituição, ela poderá ajuizar ação regressiva contra o médico residente, mas somente se houver dolo ou culpa grave comprovada.
Essa possibilidade é excepcional e exige prova técnica muito robusta.
Por isso, o residente deve:
documentar corretamente os atendimentos
seguir os protocolos clínicos
solicitar a participação do preceptor em casos de dúvida ou maior complexidade
7. Como o residente pode se proteger por meio do prontuário médico?
O prontuário é o maior instrumento de defesa do médico, especialmente do residente.
Recomendações:
registre sua identificação completa: “médico residente R1/R2, especialidade…”
identifique o preceptor envolvido
registre a discussão do caso e a anuência da conduta pelo preceptor
mantenha anotações claras, objetivas e completas
documente horários, evolução clínica, intercorrências e condutas
nunca altere prontuário após o atendimento
Esses registros são decisivos em sindicâncias éticas, processos civis ou penais.
8. Seguro de responsabilidade civil: por que o residente deve considerar contratar?
Mesmo não sendo, em regra, responsabilizado diretamente, o residente deve considerar a contratação de um seguro de responsabilidade civil profissional, pois ele cobre:
honorários de advogado especialista de sua confiança
custos de assistentes técnicos (peritos médicos)
despesas judiciais
Existem apólices específicas para residentes, com valores acessíveis.
9. Conclusão: segurança jurídica para quem está em formação
O médico residente não deve responder judicialmente de forma direta, salvo exceções.
O sistema jurídico reconhece sua condição de profissional em formação, com atuação supervisionada.
Se for citado em uma ação judicial:
não entre em pânico
não ignore a citação
procure um advogado especialista em Direito Médico
Está sendo processado durante a residência médica?
Busque orientação com um advogado especializado em Direito Médico. A defesa adequada pode preservar sua formação, sua reputação e o seu futuro profissional.


